quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Por Gabriel Rosa

(alguém avisa ela que vou jogar essa poesia na janela da casa dela)

que diferença faz
não ter diferença
e só semelhança
se quando eu canto
não entras na dança?

te lembras
quando conversamos aquela vez
sobre os prazeres simples da vida
e como é patético o pensamento burguês?
eu nunca esqueci
do teu desejo inconsciente
quase inocente
de ter alguém que pergunte como foi teu dia
se tu quiseres
faço da tua rotina poesia

podes chegar em casa cansada
suada, descabelada
de saco cheio de uma tarde corrida
e eu te mostro uma poesia minha
por ti ainda não lida
inédita
que fala da nossa vida
que te acalma a alma
e então te faz sorrir
tranquila por estar ali
e mais uma vez eu vou repetir:
"foi pra ti que eu escrevi"

dois não é igual a menos um
é soma e não subtração
a graça do teu eu é existir por inteiro
e não se render à anulação
não quero roubar tua liberdade
seria muita maldade
quero apenas que saibas
que se precisares de verdade
podemos compartilhar um do outro
com incomparável intensidade
eu sempre repito pra ti:
"olha, eu to aqui"

o morno não me chama atenção
e eu sei que a ti também não
mas porra
quem sou eu para invadir teu tempo?
não me importo
se é rápido ou lento
respeito teus medos
não vou invadir teus segredos
respeito até teus fantasmas
tuas feridas de uma vida vivida
personagens de uma poesia já lida

não me importo
com a tua teimosia
que eu encaro noite e dia
teimosia desse teu ascendente em touro
mas tudo bem
meu ascendente é o mesmo que o teu
deixa o tempo o mostrar
o resultado de tudo isso que aconteceu

volto à realidade
e aqui estou
apenas eu
sinto saudade
de momentos que a gente nunca viveu

caralho, entre nós parece tudo tão igual
isso é normal?
mas que diferença faz
não ter diferença
e só semelhança
se quando eu canto
não entras na dança?

tá, confesso que já tentei fugir
do que sinto por ti
tento não me deixar sentir
mas que culpa tenho
se eu simplesmente sinto?
se eu nego, eu minto
será que dá tempo
de um dia juntos
a gente sentir a brisa do vento?

tá vendo? é tudo igual
de uma maneira tão calma, tão normal
mas que diferença faz
não ter diferença
e só semelhança
se quando eu canto
não entras na dança?

minha paixão pode parecer indigente
daquelas sem nome
que passam fome
mas é indiferente
eu guardo pra mim
faço de conta
que é coisa do inconsciente
mas não é
e não foi de repente
que eu percebi que havia algo na gente
o resultado surpreendente
eu prometi
que um dia te contaria
minha sincera epifania
diante de um sorriso teu de alegria

esse teu olhar cheio de verde não me cala
esse teu beijo me avassala
nosso papo é intensa poesia
guria, eu amo até tua melancolia
até tuas meias vermelhas
que aninharam-se no sofá um dia
enquanto no vidro da janela a chuva escorria

mas eu fico quieto
eu calo essa paixão
igual o menino de rua
que abaixa a cabeça
diante da opressão da farda do capitão

porra, meu coração tá aberto
tu queres um ato, um protesto?
queres que eu xingue a polícia de perto?
queres que eu feche a ponte?
pare a rua por uma chance tua?
queres que eu desista?
mas saiba que por ti
eu derrubo até governo golpista
chamo o sindicato, faço greve de amor
até que percebas seja lá o que for
e que a gente já sentiu muita dor
e que minha intenção
não é repetir nosso passado
mas sim reacender nosso sonho ofuscado

a vida é assim
tem coisa que começa
tem coisa que tem fim
e pra saber o que pode ou não acontecer
só resta viver

de novo, eu fico quieto
mas amanhã começo de novo
teimoso
igual a força do povo
pois esse é meu gozo
meu desafio é enlouquecer por um fio

mas quem sou eu
para não respeitar teu tempo?
quando precisares
eu te acalento
calado
sentimento guardado

desculpa se às vezes eu acho
que tens medo de estar errada
e que um dia podes perceber
que borboletas no estômago
nem sempre surgem do nada

enfim
talvez eu tenha sonhado
coisa de pisciano viajado
esquece
a gente se fala, segue teu dia
e faz de conta
que isso foi só mais uma poesia

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