A menina que mora aqui dentro

Aqui dentro mora uma menina que se recusa a ir embora. Eu, apesar de não compreender o motivo de ela estar aqui, sigo vivendo. Sofrendo, me alegrando, lutando para me tornar gente grande. Mas todos os dias, por algum motivo ou qualquer coisa que eu faça que a afete, escuto o clamor da menina lá dentro de mim. Ela, que há muito tempo atrás era eu. Ou era quem pensava que eu fosse. 

A voz da menina é aflita, impaciente, quase sempre de protesto. E embora algumas vezes se mostre enfraquecida, a voz é sempre repleta de esperança e prontidão. Procuro não dar ouvidos à ela, já que sei que em nada tem a ver com minha vida adulta. Mas cada vez que essa voz se manifesta, é como se fizesse algum sentido, mesmo distante.

Por vezes, me pego querendo viver a vida dessa menina. Incorporar papéis diferentes destes que tenho de assumir no dia a dia. Aproximo-me assim desta criança adormecida. Sinto sua respiração lenta e doce, e carrego em mim a esperança de que, através dela, possa me tornar o que sempre almejei ser.

Quando olho o passado, recordo-me dos meus sonhos infantis. Percebo que muitos deles ainda se parecem com aqueles que carrego no peito, mas que hoje já não levo mais como metas, nem projetos reais. 

A menina que mora aqui dentro ainda se recusa a ir embora. E no fundo, sei que espera impacientemente por algo novo. Não há prestígio que a satisfaça, não há felicidade que a acalme. 

Enquanto isso, sim, eu sigo vivendo. Sei que existem várias coisas diferentes daquelas que conheci lá atrás, mas o que quero é trilhar este caminho novo. Encontrar paz, de forma simples e calma, para que eu possa parar quando precise, conseguir ouvir de forma atenta esta voz, sem influências. A voz de tudo aquilo que ainda carrego, em algum canto escuro, algum esconderijo aqui dentro.

Desejo mesmo é poder ouvir sempre a voz dessa menina, tão curiosa. E espero verdadeiramente que ela continue se recusando a ir embora, ainda que eu não compreenda o motivo de ela estar aqui.