sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Desencontros

Hesito em me aproximar. Não sei ao certo quem povoa tua solidão. Não me aproximo de ti facilmente. Recuo. Distancio-me. Triste e desanimada, fico a imaginar-te. Em poses, risos, cabelos desajeitados e voz firme. E enjaulo-te, aprisionando-o em minha imaginação, utópica e certeira. Em muitas dessas fantasias eu me vejo como um animal alado e invisível, que invade a tua casa e te observa em silêncio. Contorno-te com meus olhos. Paro. Estática contra a parede da tua sala. Enquanto tu te atiras, cansado, na cama. Vejo-te. Olhar distante. Uma nuvem de saudade, desejos e memórias. Enquanto fitas o teto, organizando teus compromissos diários, o teu olhar me dói.

A réstia de luz pela janela projeta uma sombra que lembra o teu rosto, refletindo teu contorno na pilha de livros. Livros que um dia folheei e que os quis emprestados. Compreendi, porém, que nunca tive intimidade para tal pedido. E por motivos que desconheço, tudo entre nós sempre foi pela metade. Nossas relações sempre interrompidas. Um passo a frente, três para trás. Desencontros. Interferências. Retrocessos.

Por essa estrada eu procurei incansavelmente um sinal teu. Nos segredos de noites anteriores, tentei encontrar vestígios de amor e afeto. Não os vi. Fico então na parede, camuflada a te observar, e tu segue em teus pensamentos sem me enxergar. Eu, como sempre estive. Você, como nunca enxergou. Mas persisto em te olhar através da janela, ao longe. Com meu coração apertado e vazio.

Lamento o desejo não concretizado. Poderíamos ser amigos, trocar confidências. Escutaríamos boa música enquanto tu detalharias desatinos e paixões. Ambos embebidos de vinho e risadas. Nós nos perderíamos como amantes recém-encontrados. Eu te olharia atenta para criar um retrato mental da tua face, e este momento estaria gravado até o fim de minha vida. Ou, talvez, nos tornaríamos o que somos: dois indivíduos de conexão rasa, feitos de estranhezas sutis e asperezas subentendidas. Possibilidades e esperanças de curtos momentos agradáveis – que nem sempre chegam. Difícil saber. E enquanto sonho, bato asas em retirada. Sigo velando teu sono.

Nos teus sonhos mais íntimos e secretos, não posso adentrar. Embora meu querer implore. Suplique. E ao me distanciar, continuo contemplando. Ao longe. Questionando-me se haverá um dia, uma hora certa, um momento ideal para nós dois. Para que nosso encontro seja inteiro. Porque este é o meu desejo. E porque apesar de maldizeres minhas asas, és tu o único que habita minha solidão.

2 comentários:

jeffvelasco disse...

Forte... fazia tempo que não lia um texto tão bom. E significativo também.

Edu disse...

Acho que o texto esta muito lindo mostra alguém que esta se encantando
talvez se apaixonando...aos poucos