quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Viagem

Sente o aroma do café e viaja por um passado distante. Pergunta-se, sem a intenção de encontrar respostas, se ele ainda pensa nela. Recorda-se que costumava ser sua companhia, seu espelho, seu termômetro. Mensurava seus erros, se fazia apoio em seus desafios, era os ouvidos para os desabafos tristes e seus ombros para as horas de consolo. Ela costumava amá-lo. Não sempre, não o tempo inteiro, mas o suficiente para bastarem-se. 

Pensa no que ele deve ter se transformado. Porque percebe que quando se enxerga, vê alguém muito diferente do que foi. Lembra que costumava sonhar. Voava como um pássaro, desejava o céu, e acreditava que pudesse guardar o mundo inteiro nesse pequeno espaço dentro de si. Achava que podia conquistá-lo. O mundo e ele. E mantinha conservadas dentro de si a alegria e as certezas que precisava para seguir em frente. Sempre tão leve. Sempre tão livre. Ela queria sempre mais. Mais amor, mais tempo, mais intensidade. Seus sonhos eram simples, e sua mania era de potencializar constantemente tudo ao seu redor. Tinha jeito para alegria, e brincava com suas vertentes. Ele nunca entendeu tal faceta. 

Ela não sabe se ele ainda a recorda. Já se foram dez anos, e o tempo sincretiza impressões nem sempre verdadeiras. Precisava saber apenas se estava bem. Ele tinha seus medos, mas sempre foi forte. Costumava dizer quantas estrelas tinha conseguido contar na noite passada, enquanto ela as nomeava, uma a uma. Olhavam-se sempre, em silêncio, e diziam com os olhos todas as palavras que não conseguiam soltar pela boca. E eram felizes. 

Ainda ontem ela o viu passar. Irradiava alegria, carregava a beleza de sempre, e fazia jus ao sorriso terno que despertava no mundo. Ainda levava consigo a metade que ele havia lhe roubado. E foi então que ela entendeu que aquela metade, guardada durante todo esse tempo, não se encaixava mais na metade que nela ficou. As metades não mais se completam, transformaram-se em algo novo, e os encaixes perderam as dimensões que - à priori - tinham. 

Quem sabe um dia suas metades se reencontrem. Com novos encaixes, olhares, novas estruturas. E os dois então troquem suas metades de novo, com as dimensões atualizadas. Quem sabe voltem a se amar. Não sempre, não o tempo inteiro, mas o suficiente para voltarem a se bastar. Ou quem sabe, somente atravessem a rua.

Ela então põe mais um pouco de café na xícara. Desta vez, evita sentir o aroma. Chega de viagens por hoje. 

Um comentário:

Flor do Córrego disse...

Linda a sua viagem Poetisa!!!

Beijos da tua fã Incondicional!!!